Marítimo, uma paixão

Marítimo, uma paixão

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João Luís Lomelino / Ex-diretor para o futebol do Marítimo

Foi-me lançado um desafio de escrever um artigo sobre o Marítimo, o que representa para mim um tema de grande responsabilidade aliado a uma elevada carga emocional. Não vou reeditar a história do Marítimo que já foi objeto de diversas publicações, mas dentro do possível, vou tentar relatar alguns factos interessantes ao longo do seu crescimento.

Assim, o Marítimo surgiu no limiar da passagem da monarquia para a república, em Setembro de 1910. No nascimento deste clube, destaca-se um pormenor curioso que está relacionado com a opção das cores (verde e vermelho), para os respetivos equipamentos, que de algum modo, indiciavam uma ligação à nova República que iria surgir em Outubro 1910 e naturalmente, com as cores da nova bandeira portuguesa. Coincidência ou não, a verdade é que mais nenhum clube em Portugal foi autorizado a usá-las.

Este grande clube nasceu e cresceu no famoso Almirante Reis, que tinha uma vasta área que era utilizada, tanto pelos homens do mar para efetuar reparações nos seus barcos de pesca como também para jogar futebol.

Aliás, foi naquele campo improvisado, que se realizaram as grandes disputas, inicialmente pelo Club Sports Madeira nascido em 1909 e seguidamente pelo Marítimo contra equipas normalmente constituídas por marinheiros de navios que aportavam no Funchal.

O Clube foi se consolidando à medida que outras equipas regionais iam surgindo, algumas formadas por dissidência do próprio Marítimo (ex: caso do União).

Na equipa de 1917, há um pormenor interessante que consiste no facto de integrar um jogador suíço chamado Albin Yud, que segundo consta, foi o primeiro estrangeiro a jogar no Marítimo, e curiosamente vim a conhecê-lo pessoalmente nos anos sessenta, através das tertúlias de ténis que eu acompanhava o meu pai, sendo que Albin Yud desempenhava na altura funções de Cônsul Suíço na Madeira.

Devido à audácia e competência dos seus dirigentes, na década de 20, este Clube começou a afirmar-se não só na Madeira como no Continente nas participações do Campeonato de Portugal, culminando com a conquista do respetivo campeonato, em 1926. Curiosamente, todos os jogos foram realizados em Lisboa, onde eliminámos o Porto e na final ganhámos o Belenenses, feito nunca alcançado por nenhum clube madeirense ou mesmo das demais ilhas Portuguesas.

Com esta vitória, o Marítimo começou a ser olhado doutra maneira e os seus jogadores passaram a ser referenciados e chamados à Selecção Nacional, como foi o caso do Pinga que “surgiu” em 1927 e seguidamente foi transferido para o Porto num processo com contornos aparentemente complexos, onde se tornou o melhor jogador português e capitão da Selecção.

Os anos 40 e 50 foram de glória para o Marítimo, pela mão de um homem que se confundiu com o Clube, Alexandre Rodrigues, tendo reunido um grupo de jogadores vindos da formação e passando por todos os escalões: tornaram-se deste modo, verdadeiras lendas, como é o caso da linha de ataque, que todos os madeirenses sabiam os nomes de cor, Chino, Checa e Raul . Os clubes continentais que vinham à Madeira, sentiam aquela força e muitos regressaram com grandes goleadas . Esse período teve o seu auge, em 1950 aquando da digressão a África, que durante o período de 70 dias o Marítimo realizou 13 jogos, dos quais ganhou 12. O Funchal parou completamente à chegada da caravana e a população acompanhou os jogadores em euforia e ao som do célebre hino (Lá vem, lá vem , os nossos maravilhas…….) até à sede, tendo-se realizado de seguida uma missa na Igreja do Socorro.

Nesta altura, o Marítimo confundia-se com a Madeira e vice-versa, e temos todos estes relatos escritos pela mão desse grande Senhor e maritimista Adelino Rodrigues que tive o privilégio de conhecer pessoalmente quando ingressei nos juvenis

O ano 1960 é especial para mim, pois foi nessa data que me tornei pela mão do meu pai, sócio, o que me possibilitou ter a grande honra e satisfação de receber o emblema de ouro (50 anos) nos 100 anos do Marítimo.

Curiosamente, nesta altura, o Clube não estava a ter grandes resultados e permitiu que o União fosse campeão da Madeira vários anos, por isso digo, não fui para o Marítimo porque ganhava mas por paixão.

Passado este período menos favorável, o Clube novamente através da sua formação criou um grupo de jogadores muito bons (ex: Petita, Ângelo, Noémio, Isaque, Vasco, Emanuel…), com os quais tive o privilégio de ainda treinar quando estava nos Juniores, no “velhinho” Liceu. Desta fase realço a eliminação do Leixões (1ª Divisão) em 1968 com uma equipa que tinha uma defesa de aço Grisalena  GR. as (Torres do Almirante Reis), Eugénio, Emanuel e Lomelino apoiados por Andrade e António João.

Estes feitos permitiram ao Clube uma viagem mais audaz e na presidência do Dr. Vieira da Luz começou a ser efetuada uma colecta aos sócios e empresas, para aquisição dos terrenos que permitiram a construção do campo de Santo António e seguidamente tentar uma verdadeira epopeia que era participar nos Nacionais, o que contou com o empenho de grandes figuras como, Jaime Melim, Vilhena de Andrade, Emílio Baptista Santos, Clemente Faria e outros e ainda com a grande colaboração desse simpático homem do futebol, Artur Agostinho, junto do poder em Lisboa.

Com a primeira participação em 1973, o Marítimo nunca mais foi o mesmo, cresceu em quantidade e em qualidade e, em 1978 sob a presidência do Dr.º Miguel Mendonça, atingiu o cume com a subida à 1ª Divisão, numa tarde gloriosa do “Caldeirão dos Barreiros” como chamaria o jornalista Luis Calisto e relatado por Juvenal Xavier, com uma assistência, segundo consta, de cerca 20.000 pessoas, numa festa que dificilmente se repetirá.

A 1ª Divisão trouxe uma responsabilidade acrescida ao Clube. Iniciou-se a contratação de jogadores do Continente e as estruturas tiveram que ser repensadas. Em 1983, a convite de um jovem empresário António Henriques, ingressei na Direcção do Maritimo e a partir daí continuei a integrar várias Direcções, sempre no departamento de futebol, onde tive como colegas mais assíduos, Carlos Pereira e Jacinto Vasconcelos.

O parque desportivo foi crescendo e a equipa de futebol também e foi na presidência do Dr.º Rui Fontes que se atingiram dois enormes feitos, com o treinador Paulo Autuori, as primeiras idas à Europa e à final da Taça de Portugal, foram tempos muito bons mas que implicaram um elevado e talvez excessivo esforço financeiro.

Em 1997, com o Clube numa situação muito grave a nível de tesouraria, Carlos Pereira candidata-se e com o apoio de dois grandes empresários Jorge de Sá e Luis Miguel Sousa, torna-se Presidente, convidando-me para voltar ao futebol.

É nesta presidência que o Clube dá um salto qualitativo nas suas infraestruturas com mais um campo sintético, um pavilhão integrado num edifício, com um colégio (o primeiro clube a tê-lo em Portugal), ginásios e todos os departamentos do clube .

Carlos Pereira com a sua competência e teimosia, ajudado pela sua Direcção, não pararam por aqui e lançaram-se num novo desafio: a construção dum novo estádio, projecto que tantos dissabores tem trazido ao Presidente mas julgo também, que trará muitas alegrias a todos os maritimistas.

O novo estádio, depois de muitas batalhas, começa a ganhar corpo e no último jogo com o Braga encheu-se (só na parte terminada) e já deu uma indicação do que vai ser no futuro

Esta presidência não foi só de obras, também teve muito futebol. Primeiro foi constituída a SAD para o futebol e em termos de resultados alcançámos a oportunidade de ir a uma segunda ida à final da Taça de Portugal e a várias presenças europeias com uma excelente ida à fase de “grupos” pela primeira vez, consolidando o estatuto europeu.

Sabemos que o futuro aguarda orçamentos muito mais austeros mas ainda tenho esperança na concretização da máxima (uma equipa/um estádio).

Deixei, por minha vontade, a Direcção em 2013 mas com a promessa de colaborar ativamente sempre que assim for necessário.

Finalizo chamando a atenção que este artigo abrange apenas pequenos fragmentos da história do Glorioso, que demonstram a grandeza deste Clube tão amado pelos Madeirenses. E apesar de ser um “clichê”, é uma grande verdade: pode se mudar tudo na vida, menos de clube e o meu é o Marítimo até ao fim.

João Luís Lomelino de Freitas, sócio nº 337