O caos nas urgências

O caos nas urgências

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Manuel Pedro Freitas / Pediatra

Nas últimas semanas, a temática da saúde tem sido alvo de destaque em toda a comunicação social pelas piores razões: o caos e a morte nas urgências.

De entre as várias razões apontadas para justificar esta situação assumem primazia: a virulência anormal do vírus da gripe; a falta de aposta nos cuidados de saúde primários e os cortes cegos nas dotações orçamentais do Sistema Nacional de Saúde que não só o colocaram no limiar da sua capacidade de resposta para situações tidas como rotineiras, como o tornaram incapaz de dar resposta a todas as que saiam fora da suposta “rotina”, como é o caso da epidemia de gripe que assola todo o território nacional.

Constituindo as urgências hospitalares o último reduto na prestação de cuidados imediatos à população, era expectável que, numa primeira fase, perante o número crescente de casos de gripe esta área de prestação de cuidados diferenciados começasse por ser sobrecarregada pela procura de doentes que não encontravam resposta nas unidades de cuidados primários de saúde.

Ainda que dotados de meios humanos e técnicos para fazer frente a situações pontuais de grandes procuras de cuidados de saúde como as inerentes a catástrofes ou acidentes, os vários serviços de urgência, foram ao longo de semanas dando uma resposta não ideal, mas a possível ao excesso de solicitações. Contudo, no momento em que, por falta de camas ou de capacidade, começou a ter dificuldade em escoar, para os respetivos serviços, os doentes que necessitavam de fazer tratamento em regime de internamento hospitalar tudo se começou a complicar.

Ao número crescente de doentes abandonados, na urgência, pelos familiares e que fazem das macas cama e dos corredores da urgência a sua casa, juntam-se aqueles que necessitando de tratamento e de cuidados em regime de internamento hospitalar são obrigados a aguardar a respetiva vaga.

É então, nesta situação extrema, que surge o colapso e o caos: longos períodos de espera, independentemente do grau de gravidade atribuída pela triagem; falta de macas; rutura de pijamas, lençóis e toalhas; mortes não previsíveis; doentes internados, em macas, nos corredores, uns em cima dos outros, onde é impossível circular e onde a privacidade foi abolida e se torna humanamente impossível fazer qualquer vigilância adequada ao seu estado; sobrecarga de trabalho para quem tem de prestar cuidados, descontentamentos tanto para prestadores como para utentes, desânimo, etc.

Ainda que o funcionamento de vários Serviços de urgências esteja, neste momento, a ser colocado em causa, tendo mesmo já motivado o pedido de demissão dos responsáveis pela urgência do Hospital Garcia d’Orta, a verdade é que eles não são mais do que o bode expiatório das falhas do sistema de saúde.

Com efeito, perante situações deste tipo, a operacionalidade dos serviços de urgência, independentemente da sua estrutura física e dos seus recursos humanos é grandemente afetada, a jusante, pela funcionalidade, ou não, das unidades de cuidados primários de saúde e, a montante, pela capacidade, em termos de camas, dos serviços de internamento hospitalar. Desta forma quando um ou outro falham esta operacionalidade poderá ser grandemente afetada.

Sabe-se que, anualmente, no inverno surgem as gripes e, com elas, uma maior procura dos cuidados de saúde e um maior número de internamentos. Contudo, também anualmente, somos confrontados com caos nas urgências sem que, atempadamente, sejam implementados planos de contingência que permitam, nestas situações, uma resposta adequada ao aumento de procura dos cuidados de saúde.

Naturalmente que os planos de contingência terão de ser reservados para situações previsíveis mas excecionais e não para as situações que se repetem anualmente, como é o caso da gripe e onde, a aposta nos cuidados primários de saúde deve continuar a ser uma prioridade, tal como devera ser implementado um aumento capacidade de internamento hospitalar. A longevidade das pessoas é hoje uma realidade mas, infelizmente, enquanto não forem implementados novos hábitos, está associada a muita dependência e acrescidos riscos de doença.